Estudos e Comunicações
“O Papel dos Movimentos Feministas na nova imagem da Mulher no Mundo”
Nos últimos tempos, temos vindo a assistir a rápidas e enormes transformações na sociedade, na política, na economia, na cultura, na tecnologia. Esse fenómeno imparável designado por globalização tem uma marca neoliberal e neoconservadora com reflexos a todos os níveis da sociedade humana, trazendo maiores e mais profundas contradições e desigualdades, mas originando também o surgimento de movimentações sociais como resposta. Novas áreas, novos direitos, novas reivindicações globais são a adaptação dos povos e das sociedades aos novos desafios que estão colocados neste novo século e novo milénio.
As mudanças e os avanços sociais, as movimentações sociais têm um carácter cada vez mais pluridisciplinar e abrangente e daí que os grandes espaços de debate, reflexão e acção que são os Fóruns Sociais iniciados em 2001 abarquem a diversidade das agendas que possibilitam “a construção de um mundo melhor”.
As reivindicações dos movimentos de defesa dos direitos das mulheres e dos movimentos feministas alicerçadas nas conquistas e nas solidariedades das pequenas lutas locais, nacionais e regionais, transpostas para as plataformas redigidas por ocasião das conferências internacionais das Nações Unidas, nomeadamente a de Pequim em 1995, são hoje em dia parte integrante de qualquer movimento social digno desse nome. Não é aceitável ignorar as questões de género, qualquer que seja o campo de intervenção social, embora saibamos quão difícil continua a ser, na sociedade patriarcal em que vivemos, a assumpção dessa dimensão de género.
Sem querermos omitir a existência de outras redes e movimentos de mulheres no mundo, esta nossa reflexão vai incidir sobretudo sobre a MMM, pelo envolvimento que a UMAR tem tido nesta rede feminista mundial e com a qual nos identificamos plenamente. A Marcha tem sido um movimento inovador, envolvendo mulheres em todo o mundo que, de forma autónoma organizam acções a nível local, regional e global.
A ideia de uma Marcha Mundial das Mulheres surgiu a partir de uma iniciativa que mobilizou um pequeno grupo de mulheres que marcharam durante dez dias através do Québec para reclamar medidas para eliminar a pobreza. No fim da Marcha o pequeno grupo tinha aumentado com outras mulheres e também com os filhos, filhas e maridos de algumas até chegar a cerca de 850 pessoas. Ficou conhecida como “Marcha do Pão e das Rosas”. Estávamos em 1995 e aquela ideia simples e localizada passou a ser encarada pelas suas organizadoras como uma ideia que tinha pernas para andar. Ambição, optimismo, coordenação e acreditar que isso era possível foram os ingredientes que mobilizaram as organizadoras para tecer uma rede de mulheres e de organizações de base à escala planetária, em torno de objectivos concretos e comuns a todas.
Assim se constituiu uma rede de mulheres que foram tecendo novos nós, tendo um auxiliar precioso e global para comunicar – a internet. Tinham e têm valores que são princípios de base: (1) são as mulheres que estão na liderança; (2) todas as regiões do mundo estão envolvidas; (3) os grupos participantes, embora adiram aos objectivos da Marcha são autónomos e realizam as acções que entenderem; (4) a rede respeita a diversidade do movimento das mulheres; (5) é pacifista e (6) constitui-se na base das acções de educação popular.
E foi assim que no início do novo século, 100 mil mulheres, de mais de 6000 grupos se mobilizaram em 159 países, contra a pobreza e a violência, em torno da Marcha Mundial de Mulheres. Tendo como pano de fundo a pobreza e a violência de género, redigiram as suas próprias plataformas reivindicativas, vieram para a rua, questionaram governos e parlamentos, fizeram acções de maior ou menor envergadura e chegaram até aos grandes decisores, àqueles que, em sua opinião, são os responsáveis políticos pelos problemas vividos pela humanidade e pelas mulheres em particular, desde o Parlamento Europeu, ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional. Por fim a ONU, onde foram entregues 5 milhões de assinaturas recolhidas em todo o mundo em apoio às reivindicações de eliminação da pobreza e da violência sobre as mulheres, entregues por uma delegação de mulheres que encabeçava uma manifestação de 10 000 mulheres em Nova Iorque, no dia 17 de Outubro de 2000.
A vitalidade do FSM de 2006, que foi policêntrico e descentralizado é bem o reflexo deste crescer dos movimentos sociais em que a Marcha se inscreve. Decorreu em Caracas, na Venezuela, entre 24 e 29 de Janeiro e em Bamako, no Mali entre 19 e 23 de Janeiro. Na Ásia, realizar-se-á em Karachi, no Paquistão entre 24 e 28 de Março. A Marcha propôs para os três fóruns uma oficina comum intitulada “As Mulheres em Movimento mudam o mundo”.
No Fórum africano a coordenação do Burkina Faso propôs uma oficina para partilhar a experiência da caravana e para debater a questão da violência sobre as mulheres. Foi também organizada uma oficina sobre a situação das mulheres no Iraque intitulada “Violência sobre as Mulheres em tempo de guerra e de ocupação do Iraque. As duas oficinas tiveram entre 200 a 300 pessoas, provenientes sobretudo dos Camarões, Costa do Marfim, Benim, Níger, Guiné, Senegal, Mali, Burkina Faso, Congo, Quénia, Chade, Marrocos, Mauritânia, Argélia, França, Itália, País Basco, Québec e Brasil. Infelizmente a mulher iraquiana não pôde estar presente no Fórum.
A participação das mulheres do Mali deu-lhes a oportunidade de demonstrarem que a mulher deve ser actriz e não submissa a todos os aspectos que têm a ver com a marcha do mundo. Como disse Traoré Oumou Touré, secretária executiva da CAFO, uma coordenação de associações e organizações não governamentais de mulheres do Mali, « No Mali, nós representamos mais de 52 por cento da população e, contudo, somos marginalizadas e sub representadas. Todavia, todas as atitudes que os homens tomam no plano familiar, social e mesmo político dizem-nos respeito e afectam-nos”.
Em Caracas, na Venezuela, a Marcha participou num Tribunal Internacional das Mulheres contra a dominação patriarcal. A coordenação da Colômbia organizou uma oficina sobre “Violência, dívida, pobreza e militarização: uma relação perversa”. Em Caracas, para além da presença de muitas mulheres, realizaram-se debates e uma exposição conjuntamente com a Rede de Mulheres para a Transformação da Economia (REMTE). Também a organização pacifista Code Pink lançou a campanha “As Mulheres dizem não à Guerra” também subscrita pela MMM. Esta campanha apela ao fim da guerra e da violência no Iraque tem por fim recolher 100 000 assinaturas antes do dia 8 de Março, mobilizar as mulheres e encorajá-las globalmente a agir nesse dia e a enviar as assinaturas aos chefes políticos de Washington e às embaixadas americanas em todo o mundo.
A UMAR que tem estado presente nesta rede feminista mundial desde a sua formação em 1998, tem acompanhado todas as actividades da MMM, quer a nível nacional, quer europeu, quer mundial. Estivemos presentes em praticamente todos os Encontros Internacionais, nomeadamente no último, em Kigali, no Ruanda, onde foi aprovado o texto final da Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade; nas reuniões da coordenação europeia e como parte integrante e dinamizadora da coordenação portuguesa, assim como nos dois últimos Fóruns Sociais Europeus. Em 2005, dos Açores, passando por Lisboa, Coimbra e Porto, a coordenação da Marcha deu visibilidade às causas das mulheres; entregámos aos deputados e deputadas da Assembleia da República um manifesto em que reclamávamos que “Mudar o Mundo é Urgente!”. Sabemos que temos problemas específicos que continuam por resolver como seja o facto de o aborto continuar a penalizar as mulheres, levando-as a tribunal; também que outros problemas são iguais aos de outras mulheres doutros países da Europa e do globo, como são os da violência de género ou os da fraca representação das mulheres nos órgãos de decisão, da discriminação em função da orientação sexual, da crescente feminização da pobreza ou do ataque aos serviços públicos. Estamos conscientes de que forças conservadoras se movem no sentido de impor regressões nas leis da família, nos direitos duramente conquistados, remetendo as mulheres para uma invisibilidade ou para uma subalternidade que são marca de um passado e de um atraso inadmissível. Como já antes referimos, também as forças do progresso e do avanço da humanidade não estão paradas e mobilizam-se contra a guerra, contra a barbárie. Queremos fazer parte dessa força transformadora, sabendo que a resolução de muitos dos problemas é global e constrói-se nas alianças com outras forças e movimentos. A UMAR tem orgulho de pertencer a estes movimentos que agem e reflectem sobre o mundo; orgulhamo-nos de ter nos nossos estatutos o sermos feministas, pois sabemos que nenhuma mudança é possível ou eficaz se não tiver em conta que o mundo é feito de mulheres e homens e há que respeitá-los de igual forma.Estaremos na Marcha, estaremos com os movimentos sociais, estaremos solidárias com todas e todos, pessoas, associações ou instituições que encarem as mulheres como sujeitos activos, participativos na construção da sociedade de futuro. Uma sociedade sem exploração, sem discriminações, uma sociedade onde os valores da Liberdade, Igualdade, Solidariedade, Justiça e Paz estejam presentes, vividos e construídos com a participação de todas e todos.
Angra do Heroísmo, 8 de Março de 06
II Congresso Regional da UMAR – Açores
Problemáticas e Desafios à Construção de uma nova Imagem da Mulher
7e 8 de Março de 2006
http://www.umarfeminismos.org/feminismos/docs/papelmovfeministas.html
Gracias por tu visita.
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